04 dezembro, 2011

O fim da inocência
Os gregos acreditavam que, no início, todos os dias eram doces e agradáveis, sem o frio do inverno e a queda das folhas do outono, até que algo terrível aconteceu: numa tarde luminosa, a jovem Perséfone divertia-se, com outras virgens, a fazer ramalhetes com as flores da campina; sua mãe, Deméter, a deusa dos frutos da terra fecunda, tinha se ausentado um instante, despreocupada- quando o solo se abriu perto de Perséfone, e Hades, o senhor do Mundo dos Mortos, surgiu no seu carro negro, puxado por cavalos negros. Sem diminuir a marcha, ele enrolou as rédeas no braço esquerdo e usou o braço livre para abraçar a indefesa jovem pela cintura, erguendo-a para o carro, que voltou a mergulhar nas profundezas da terra. Deméter chegou a ouvir o grito da filha, mas quando chegou ao local, a fenda do solo tinha se fehado sem deixar traço e ela só encontrou as flores esparsas do ramalhete desfeito. Tomada pelo desepero, a deusa se pôs a vagar pelos campos e polos montes, gritando o nome de Perséfone- e nem mesmo a chegada da noite a fazia parar, porque ela, empunhando uma tocha, continuava a varar a escuridão. A dor da busca infrutífera deixou-a desfigurada e envelhecida; arrastava os farrapos de seu manto encardido como se fosse uma velha miserável, e sua infinita tristeza comunicou-se com a natureza, fazendo definhar e morrer toda a vida vegetal do planeta.
Finalmente, uma ninfa apiedou-se dela e contou-lhe o que tinha ocorrido. O pai de Perséfone era Zeus, e Deméter então implorou-lhe que fizesse a jovem voltar. Zeus sabia que Hades, seu irmão, estava enamorado de Perséfone e a queria como esposa, mas concordou em devolvê-la, desde que ela não tivesse comido nada no Mundo dos Mortos.
Quando a jovem voltou para os braços da mãe, no entanto, ela já não era a mesma: tinha provado alguns grãos de romã oferecidos por Hades, na hora da despedida, e isso equivalia a uma cerimônia de casamento. Conciliador, Zeus lembrou a Deméter que a fikha agora era uma rainha, e permitiu que ela passasse, cada ano, seis meses em companhia da mãe- que, até hoje, enche a terra de flores quando a filha vem visitá-la.
Este é um mito riquíssimo, que nos fala do surgimento das estações, da brutalidade dos homens, do amor sofrido das mães-, mas também da perda da inocência como um fato necessário para a evolução de cada um. Perséfone cresceu; ao voltar do mundo subterrâneo, é agora uma deusa, como sua mãe. Deméter também cresceu: conheceu o sofrimento, a perda e a solidão; seu mundo, antes um alegre e homogêneo paraíso, ganhou outono e invernos, e ficou mais rico e mais adulto. Nós também cresceremos, se a nossa Deméter inteiror, que sonha inocentemente com uma existência controlada e harmoniosa, aprender que ninguém vai ser poupado dos riscos da própria vida.
Por Cláudio Moreno professor e escritor!

Um comentário:

Rodrigo disse...

Adoro este mito.

Me lembra que a vida é feita de ciclos. O ciclo da filha indo e vindo ao encontro da mãe (visitas de final de semana), inverno x verão,...

o legal da mitologia grega é que ao invés do cristianismo em que Ele nos fez a nossa imagem, no Olimpo, nossas qualidades/defeitos são retratados por deuses.

Beijo!