"- Talvez seja esse o problema. Uma vida sem manhãs. Estranho é que
não escolhi. Não consigo precisar o momento em que escolhi. Nem isso,
nem qualquer outra coisa, nem nada. Foram me arrastando. Não houve
aquele momento em que você pode decidir se vai em frente, se volta
atrás, se vira à esquerda ou à direita. Se houve, eu não lembro. Tenho a
impressão de que a vida, as coisas foram me levando. Levando em frente,
levando embora, levando aos trancos, de qualquer jeito. Sem se
importarem se eu não queria mais ir. Agora olho em volta e não tenho
certeza se gostaria mesmo de estar aqui. Só sei que dentro de mim tem
uma coisa pronta, esperando acontecer, O problema é que essa coisa
talvez dependa de uma outra pessoa para começar a acontecer.
- Toque nela com cuidado - disse Santiago. - Senão ela foge.
- A coisa ou a pessoa?
- As duas."
"- Você sabe que de alguma maneira a coisa esteve ali, bem próxima. Que
você podia tê-la tocado. Você podia tê-la apanhado. No ar, que nem uma
fruta. Aí volta o soco. E sem entender, você então pára e pergunta
alguma coisa assim: mas de quem foi o erro?
(...)
É preciso cuidado com o arisco, senão ele foge. É preciso aprender a se
movimentar dentro do silêncio e do tempo. Cada movimento em direção a
ele é tão absolutamente lento que o tempo fica meio abolido."
"Parece-me agora, tanto tempo depois, que as partidas-dolorosas, as
amargas separações, as perdas-irreparáveis costumam lavrar assim o rosto
dos que ficam."
"Não gosto quando a gente fica falando assim no que não foi, no que
poderia ter sido. God! Não aos sábados, principalmente a noite. Não
hoje, por favor, hoje não dá, eu tenho. Eu tenho uma sensação meio de
amargura, de fracasso. Você me entende? Como se tivesse a obrigação de
ter sido, ou tentado ser, outra pessoa."
"As pessoas suportam tudo, as pessoas às vezes procuram exatamente o que
será capaz de doer ainda mais fundo, o verso justo, a música perfeita, o
filme exato, punhaladas revirando um talho quase fechado, cada palavra,
cada acorde, cada cena, até a dor esgotar-se autofágica, consumida em
si mesma, transformada em outra coisa que não saberia dizer qual era."
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